Imagine fazer um teste de sangue simples. Com o resultado em mãos, você conseguiria descobrir o risco de, por exemplo, ter um infarto agudo do miocárdio no futuro, ou então um acidente vascular cerebral isquêmico, entre outros problemas cardiovasculares que matam milhares de brasileiros anualmente.
Pode parecer um pouco absurdo, mas de acordo com o médico geneticista Ciro Martinhago, doutor em medicina reprodutiva e diretor do laboratório de análises genéticas Chromossome, em São Paulo, esse conceito de “medicina preventiva” já existe e é uma realidade. “Existe um painel de risco cardiovascular com 12 variantes. Através desse modelo conseguimos entender melhor os fatores genéticos que já nascem conosco, já que os ambientais nós sabemos identificar”.
Se, por exemplo, o indivíduo além fumante é portador do gene HPA1, o risco de infarto ou derrame torna-se extremamente elevado. “O paciente vem e diz: ‘ah, mas tem um monte de gente que fuma e não acontece nada’. Eu explico então que algumas pessoas não nascem com essa alteração genética. Agora, se você fuma e tem esse gene, a possibilidade de ocorrer um infarto no futuro é altíssima. Com isso em mãos, é possível que o tabagista mude os hábitos, porque é algo mais concreto. Hábitos você muda, a genética, não. Você nasce com isso e pronto”, afirma Martinhago.
Por meio da medicina genética, é possível também até escolher o tipo de tratamento mais adequado em casos de infarto. Por exemplo, existe uma proteína no sangue chamada fibrinogênio. Ela deixa o sangue mais viscoso, o que favorece a coagulação e aumenta o risco de trombose. A mortalidade de pacientes com fibrinogênio elevado em decorrência de infarto não chega a 8%. Já quando o paciente tem alta quantidade da proteína, e além disso possui alteração gênica do fator XIII (V34L), o risco de óbito após um infarto pode chegar a 35%. De posse de tal informação, os médicos podem conduzir tratamentos que consideram esse risco aumentado, e assim ter mais sucesso.
Segundo o especialista, de 25% a 60% da carga genética pode estar relacionado a um evento cardiovascular. O restante é causado por hábitos como sobrepeso, dieta inadequada e sedentarismo. “Mais de 50% do risco de desenvolver pressão alta se deve a fator genético. Então, se a pessoa tem histórico na família, é estressado, fumante, se alimenta mal, a possibilidade de haver um infarto é bastante alta. Não tem como fugir”, alerta o geneticista.
Outro exemplo: uma em cada dez mulheres tem alteração em um dos três genes conhecidos que causam trombofilias hereditárias. Se aliado a isso ela tomar medicamentos anticoncepcionais, por exemplo, a paciente tem risco 30 vezes maior de desenvolver a doença do que aquela que não possui a alteração cromossômica. Em viagens com mais de 10 horas de duração, a enfermidade pode levar a trombose ou, mais grave, causar uma embolia pulmonar. “Se a mulher precisar fazer uma cirurgia e for ficar um longo período acamada, por exemplo, ciente de sua condição o médico já entrará com medicação adequada e botas de compressão”, afirma Martinhago.
Infelizmente, os planos de saúde ainda não cobrem este tipo de exame, que pode ser obtido por meio de uma amostra de saliva. O geneticista ou o próprio cardiologista pode solicitar, mas o preço muitas vezes impede sua realização: varia de R$ 700 a R$ 1000.