A Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revelou que mais de 70% da população têm conhecimento dos riscos da hipertensão. Mas, por ser uma doença silenciosa, que não gera dor ou cause sintomas evidentes, muitos hipertensos não sabem do diagnóstico e, quando sabem, em geral não dão continuidade ao tratamento: há dados recentes que apontam que 80% dos hipertensos estão fora das metas de controle da pressão arterial.
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Segundo a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), a pressão elevada é a a principal causa de morte cardiovascular entre os brasileiros, atingindo mais de 30% da população adulta. Não tratá-la pode reduzir em até 16 anos a expectativa de vida.
Os números refletem não só os maus hábitos alimentares e o sedentarismo da população brasileira, como também a dificuldade dos médicos em convencer seus pacientes a aderirem de forma correta ao tratamento prescrito. “A maioria dos pacientes hipertensos necessita usar continuamente medicamentos por toda a vida. Assim como o corpo humano precisa de água, de alimentos, de higiene, o organismo do hipertenso precisa receber medicamentos que controlem a pressão arterial e protejam os órgãos diariamente”, avalia o cardiologista Marcus Bolívar Malachias, que assumirá a presidência da SBC no início de dezembro.
Atualmente, ele coordena o grupo responsável pela elaboração das diretrizes brasileira e latino-americana de controle da hipertensão arterial – espécies de guias de tratamento que reúnem as principais normatizações para o controle da doença e que deverão ser lançadas até abril de 2016. “Estamos revendo todos os estudos recentes sobre a doença, além de avaliarmos as características nacionais e latino-americanas para a redação da orientação de controle dessa grave doença”, revela Malachias.
Pioneirismo no controle da hipertensão
Segundo o cardiologista, há muitas opções de medicamentos anti-hipertensivos, além de formas não medicamentosas que contribuem para o controle da hipertensão. O que pouco se sabe é que o Brasil tem um papel importantíssimo nas pesquisas pioneiras relacionadas ao tratamento da hipertensão e que servem de base para as diretrizes mundiais. Uma das classes de medicamentos indicados como primeira linha – uma das opções a serem prescritas logo após o diagnóstico – e que garante o controle da hipertensão e a redução do risco cardiovascular são os Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina, popularmente conhecidos como IECAs.
Os IECAs foram descobertos pelo médico e pesquisador brasileiro Sérgio Ferreira, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, há mais de 50 anos. Ele descobriu o fator potencializador da bradicinina (vasodilatador) por meio de experimentos realizados inicialmente com o veneno da cobra jararaca. Sua descoberta foi o primeiro passo para o desenvolvimento e utilização dos IECAs, que têm um mecanismo de ação específico capaz de promover a vasodilatação, além de atuar como antiinflamatório e antitrombótico no sistema circulatório. Seu principal diferencial é que, além de impedir parcialmente a produção da angiotensina (que causa a hipertensão e tem efeito tóxico direto sobre o tecido do sistema vascular, coração, cérebro e rins), atenuando os seus efeitos e reduzindo a pressão arterial, os IECAs também previnem a degradação da bradicinina, substância produzida pelo próprio organismo e que tem grande importância para a proteção cardiovascular.
Devido às diversas comprovações de eficácia, proteção e segurança, os IECAs passaram a ser indicados por cardiologistas do mundo inteiro e, hoje em dia, décadas após sua descoberta, voltam a ser o centro das atenções de estudos clínicos e metanálises internacionais. Somente nos últimos dois anos, foram realizados vários estudos que chegaram a conclusões expressivas, demonstrando que reduzem o risco de morte cardiovascular em 12%, o risco de AVC (acidente vascular cerebral) em 22% e o risco de infarto em 17%, além da redução do risco de morte global em 10%.
O cardiologista e pesquisador canadense Dr. Martin Strauss, do Hospital Geral de York do Norte (Toronto, Canadá), ressalta a importância dos IECAs na proteção do sistema cardiovascular. Em visita recente ao Brasil, o professor apresentou os resultados mais importantes referentes às metanálises, que apontaram essa classe de medicamento como opção preferencial para o tratamento da hipertensão.
No estudo SPRINT (Systolic Blood Pressure Intervention Trial), cujos resultados oficiais foram divulgados há duas semanas no congresso da American Heart Association em Orlando (Florida, EUA), confirmou-se que a pressão arterial ideal a ser alcançada no tratamento da maioria dos hipertensos é em torno de 12/8. “Salvo em situações especiais a serem definidas individualmente pelo médico, essa já era meta defendida na campanha ‘Eu sou 12 por 8’, promovida da SBC”, afirma Marcus Malachias, que completa: “faltava a plena comprovação como a encontrada no SPRINT, realizado pelas 100 maiores universidades norte-americanas a pedido do prestigiado Instituto Nacional de Saúde dos EUA.”